[Meu Facebook] [Meu Last.FM] [Meu Twitter]


 

 

Kaio

 

Veja meu perfil completo

 

 

 

 

04 novembro 2007

Bizarre Love Triangle

Henry Miller foi para os escritores da geração beat o mesmo que Iggy Pop para os punks: uma grande influência, mas com um estilo que guardava certos detalhes inimitáveis. Assim como as performances insanas e os vocais idiossincráticos de Iggy fizeram dele ímpar, Henry introduziu um linguajar mais debochado e "obsceno" na literatura do século XX, falando de sexo e farras como se fossem necessidades fisiológicas. Outra semelhança entre ambos são os triângulos amorosos: enquanto um participava da 'santíssima trindade' (David Bowie, Iggy Pop e Lou Reed), o outro teve o seu com a esposa June e a escritora Anaïs Nin.

Retirado do período Outubro/1931 a Outubro/1932 dos diários de Anaïs, “Henry & June” só pôde ser publicado em 1986, visto que o Hugh Guiler, marido dela na época e um dos ‘personagens’ do livro, faleceu apenas em 85. Reconhecida imediatamente como uma obra-prima da autora francesa, não demorou muito para que viesse uma adaptação para o cinema, quatro anos depois. Aliás, já estou correndo atrás do filme, que tem Maria de Medeiros no papel de Anaïs Nin e Uma Thurman como June Miller.
Em suas 250 páginas, “Henry & June” encanta permanentemente o leitor pelo intimismo, a intensidade da escritora em relatar suas paixões e dramas ou mesmo uma imensa habilidade em utilizar a linguagem típica de um romance no diário. Em apenas um ano, a vida de Anaïs sofre uma imensa reviravolta, transformando o que era mera idealização da cabeça de uma garota reprimida que não sabia o que queria da vida em paixões, desilusões, questionamentos existenciais e muito, mas muito sexo.
O marido Hugo, com quem tem um casamento que não a satisfaz completamente (mesmo o tom hipócrita que ela utiliza para falar da felicidade conjugal não convence), e o primo Eduardo, por quem ela tinha certa atração correspondida desde a adolescência, não bastam para ela. As coisas mudam durante a época do diário, quando ela conhece Henry Miller, um escritor americano que ralava para viver em Paris. Surge imediatamente uma afinidade intelectual entre eles, e a francesa se interessou – e muito – pela mulher dele, June. Esta tem uma beleza estonteante e uma mente que fascina Anaïs. O mais curioso é que ela viajou para NY logo no início da obra, lá pela pág. 40, mas as poucas semanas em que conviveu com a escritora foram suficientes para marcar permanentemente os pensamentos da mesma.
Após a viagem de June, há uma lenta e gradual aproximação entre Henry e Anaïs. Inicialmente se limitam a cartas, mas logo surge a atração física e eles começam a ter um caso. A autora não parece estar incomodada com o duplo adultério (ela em relação a Hugo e seu amante em relação a June), até porque uma das intenções é justamente questionar o sentido da fidelidade. O que importa realmente para ela é começar a viver a vida intensamente; é o fim da angústia de passar 29 anos especulando sobre um futuro em que pudesse ser livre, inclusive para ser promíscua. Agora é hora de penetrar (literalmente) em uma realidade mais espontânea e libertária.
Aliás, algo é inegável: Anaïs Nin é insaciável. Sua vida amorosa (e sexual) não se limitou ao primo, ao marido, June e Henry, já que ela também vive a flertar com outra pessoa que a ajudará muito na mudança de mentalidade: o psicanalista Allendy. Ele sempre tenta associar tudo à infância dela, que teria sido abalada pelo amor imenso que ela tinha pelo pai, o qual, além de não correspondê-lo, era agressivo. Logo, criar-se-ia na cabeça da garota a ausência de uma figura masculina que lhe inspirasse segurança, proteção. Ela tentou encontrar em Hugo tal compensação, mas não demorou a ver nele um homem ‘mole’ e manipulável. Seu primo, então, chega a ser irritante de tão imaturo que é.
Mesmo assim, como o próprio título da obra sugere, o foco é no triângulo amoroso. Henry e Anaïs se amam, mas ambos gostam mais ainda de June. Um dos grandes atrativos para os leitores é justamente descobrir quem é o mais manipulador dos três, quem realmente está a usar os outros dois. Acredito que June Miller cumpre tal papel, já que, mesmo ausente, seu marido e sua "amiga" estão em plena expectativa – e temor – quanto ao retorno da mesma. As incessantes relações sexuais entre os dois sugerem a considerável atração carnal que há entre os dois. Existe, acima de tudo, um duelo psicológico entre uma mulher angustiada que luta para ter um diálogo consigo mesma e um escritor que convive com a contradição entre seus escritos ousados e agressivos e sua essência sensível e carente. E, unindo e separando-os, temos uma garota ambígua, misteriosa e sua “personalidade criada para o limite”, nas palavras da autora.
Uma possível epígrafe para “Henry & June” seria a seguinte: “Mas que jogo soberbo nós estamos jogando. Quem é o demônio? Quem é o mentiroso? Quem é o ser humano? Quem é o mais inteligente? Quem é o mais forte? Quem ama mais? Somos três egos imensos lutando por dominação ou por amor, ou estas coisas estão misturadas? Sinto-me protetora tanto em relação a Henry quanto a June. Alimento-os, trabalho por eles, sacrifico-me por eles. Também devo dar vida a eles, porque eles se destroem mutuamente.”
Ah, antes de terminar a resenha, uma observação: June serviu de inspiração para Mona, uma personagem que Henry criou para “Trópico de Câncer” (única obra dele que eu li, por enquanto), e que também aparece em “Trópico de Capricórnio” e a trilogia “Sexus”, “Plexus” e “Nexus”. Ou seja, temos duas perspectivas para trabalhar se quisermos analisar a gigantesca influência de June na vida de Henry Miller e Anaïs Nin. Em qual delas você confiaria mais? Estariam ambas próximas da verdade? Ou será que não, seriam as duas equivocadas?

 

Comentários:

 

 

[ << Home]