Pseudocult até a medula
"Os Vagabundos Iluminados" é, das 4 obras de Kerouac que eu já li (as outras três são "On The Road", "Os Subterrâneos" e "Tristessa"), a mais tranqüila. O protagonista, Ray Smith, ao contrário de outros personagens kerouacianos (como Sal Paradise e Leo Percepied), troca a porra-louquice pelo estilo zen. Pessoa muito espiritual que é, faz inúmeras referências a ensinamentos budistas durante a obra, e cenas como a em que ele fica em uma montanha, solitário, 'ouvindo o silêncio', são um símbolo do Jack Kerouac do final dos anos 50, pouco antes do ceticismo e amargura da última década de sua vida. Como em todos os escritos do autor, há um certo tom melancólico nos personagens (mesmo em Japhy, o amigo oriental de Ray), algo bem comum na geração beat (um ótimo exemplo disso é em poemas como "Uivo", "O Automóvel Verde" e "Sanduíches de Realidade", todos de Allen Ginsberg), que, em meio a toda a loucura, não via o futuro como bons olhos, e o hedonismo, ao invés de dissimular essa realidade, só a expunha mais intensamente. Como eu já disse em um texto do mês passado, o post-punk é um reflexo disso.
O filme "Psicopata Americano" trabalha de maneira realista o tema ao qual se propõe, e o ator Christian Bale atuou muito bem como Patrick Bateman, demonstrando todas as idiossincrasias de um 'típico' psicopata (especialmente nos 20 minutos finais do filme, com o clímax da história, levando a um desfecho satisfatório). Yuppie que é, Bateman concilia o sucesso profissional com a patologia, e entre suas vítimas estão desde colegas de trabalho até prostitutas e mendigos. A sua frieza para matar concilia com seu jeito temperamental e sua lábia altamente persuasiva, tornando-o uma pessoa muito perigosa para todos que o cercam, ainda mais porque poucos têm o mínimo de consciência da psicopatia de Patrick.
"Réquiem Para Um Sonho" é, na minha opinião, o melhor filme sobre drogas já feito, depois de "Trainspotting". Ao contrário deste, no entanto, "Réquiem" preza menos pela ironia e o sarcasmo e mais pelo relato ultra-realista e chocante (mas não sensacionalista) sobre os efeitos de substâncias como as anfetaminas e a heroína em seus usuários. Uma coisa que eu achei bem legal foi a relação que se fez com as estações do ano - o Verão é a melhor época para os quatro protagonistas (todos representados por ótimos atores - Jared Letto, Jennifer Conelly, Ellen Burstyn e Marlon Wayans), que obtém prazer pelas drogas e estão todos bem. No Outono, as drogas já não funcionam tão bem como fuga da realidade, e eles começam a ter problemas. O Inverno é o fundo do poço, com todo o desespero e o horror ao qual eles inevitavelmente alcançariam pelas suas escolhas. Enfim, "Réquiem Para Um Sonho" é alucinante do início ao fim, altamente recomendável. Destaque também para o diretor Darren Aronofsky, que conduziu muito bem o filme.