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Kaio

 

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19 julho 2006

Rosebud, o passado que jamais voltará

Existem momentos nas vidas de todos nós nos quais saímos mudados após entrar em contato com alguma expressão artística, seja na música, no teatro, na literatura ou mesmo no cinema. Isso já ocorreu comigo quatro vezes até hoje - na primeira vez que eu ouvi "I Am The Walrus", dos Beatles, em abril de 2004; na minha 1ª audição de Joy Division, em agosto de 2005; quando terminei a leitura de 1984, também em agosto do ano passado; e quando eu li On The Road, sete meses atrás. Hoje tive a oportunidade de ter isso em relação a um filme. Seu nome? "Cidadão Kane".
Ainda estou em choque. Nunca vi uma película tão genial. E nem preciso ser pedante e utilizar termos técnicos para descrever o quão perfeito e impecável é "Cidadão Kane". Não corro o risco de ser precipitado caso diga que este foi, é e sempre será o melhor filme de todos os tempos, na minha opinião. Julgo impossível cineasta algum superar a obra-prima de Orson Welles.
Kane é a mais bela metáfora possível para o ser humano que a 7ª arte já ousou construir. A infância perdida de Charles é o ponto central de toda a história - não duvido que ele jamais se tornaria tão megalomaníaco, egoísta, lunático, inescrupuloso, hipócrita e solitário quanto demonstrou durante o filme se pudesse viver como uma criança normal. A sua precocidade foi justamente a sua ruína, e carregou o fardo de ser um nostálgico decadente.
Orson, como todo bom artista, colocou a sua vida no filme. Pode-se muito bem entender quem é ele pelo personagem que ele criou. Welles foi considerado um gênio já na infância, ao se revelar extremamente apto para o teatro com tão pouca idade. Isso também lhe custou muito caro - a sua liberdade. E na única chance que ele teve de parcialmente reconquistá-la, não titubeou - eis "Cidadão Kane", o único filme no qual os estúdios lhe deram carta branca para que ele usufruísse de toda a sua criatividade. Com apenas 25 anos, colocou seu nome na história do cinema, mesmo que o reconhecimento fosse relativamente tardio, já que o filme, injustamente, só ganhou o Oscar de roteiro original e foi um fracasso de bilheteria.
Ainda assim, como todos os grandes gênios da humanidade, ele ainda teria o prazer de ser devidamente colocado entre os gigantes. Stanley Kubrick, que se considera discípulo de Orson, que o diga. Clássicos como Laranja Mecânica e 2001 talvez sequer existissem se não houvesse a revolução cinematográfica em 1941, com "Cidadão Kane".
Charles, como magnata da imprensa que era, fez tudo o que um jornalista de peso faz - influenciou pessoas, distorceu informações, manipulou seus leitores, difamou autoridades, foi contraditório, colocou seu ego acima de tudo e todos. Teve suas glórias, e chegou ao auge em 1916, quando esteve a ponto de ser eleito o governador de seu estado. Infelizmente para ele, sua arrogância lhe custou caro - o governador, candidato à reeleição, descobriu que ele tinha uma amante, e o deixou em uma encruzilhada - ou diminuía as críticas agressivas e desistia da promessa de, caso eleito, prender o seu adversário no pleito, e esquecia a sua amante Susan; ou a notícia estamparia os jornais e Kane perderia as eleições, reprovado pela opinião pública a respeito do adultério. O protagonista, cego pelo orgulho, não impediu que o caso fosse parar na imprensa, e perdeu a eleição e a esposa.
A sua vida e carreira, então, entraram em uma nova etapa - o jornalista, "defensor dos pobres" e panfletário de 1895 a 1916 virou um excêntrico e recluso milionário, e ele acabou se casando com a sua amante, uma medíocre cantora lírica, que, apesar de todos os esforços de Kane (como colocar nos jornais resenhas mentirosas sobre as óperas de sua esposa, qualificando-as como boas), não demonstrou talento algum.
Um dos maiores mistérios do filme seria justamente o significado de Rosebud, a última palavra proferida por Kane antes de falecer. Um dos diálogos nas cenas finais correspondeu exatamente à metalinguagem representada pelo seu globo de neve e pelo trenó que Charles tinha aos 8 anos de idade, antes de ficar aos cuidados de um tutor e ter seu destino traçado. Ele, no seu auge, tinha tudo, menos algo. Só falta uma peça desse seu quebra-cabeça. E tal peça seria justamente a infância perdida - seu dom foi justamente a sua perdição.
"Cidadão Kane" é a quintessência do quanto um filme pode ser expressionista, dramático, intenso, profundo, revelador, brilhante - enfim, uma obra-prima inigualável.

Talvez o personagem possa se resumir nessa seguinte frase: "Sim, graças ao jornal, vou perder 1 milhão nesse ano. E perdi 1 milhão no ano passado. E vou perder outro no ano que vem. Nesse ritmo, teremos que fechar daqui a 60 anos".

[Este é o post de número 200 em Racio Símio. E "Cidadão Kane" é muito mais do que digno de ser esse post comemorativo]

 

Comentários:

 

 

Well...
Need a little time to wake up wake up...
Já ouvi falar desse filme, esses clássicos são como diamantes... Eternos...


Eu gostei de cidadão Kane, não fiquei tão fanático por ele que nem você, mas é impossível negar sua qualidade.
Eu sou um cara simples, o filme da minha vida ainda é Quase Famosos. hahaha


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