Rosebud, o passado que jamais voltará
Ainda estou em choque. Nunca vi uma película tão genial. E nem preciso ser pedante e utilizar termos técnicos para descrever o quão perfeito e impecável é "Cidadão Kane". Não corro o risco de ser precipitado caso diga que este foi, é e sempre será o melhor filme de todos os tempos, na minha opinião. Julgo impossível cineasta algum superar a obra-prima de Orson Welles.
Kane é a mais bela metáfora possível para o ser humano que a 7ª arte já ousou construir. A infância perdida de Charles é o ponto central de toda a história - não duvido que ele jamais se tornaria tão megalomaníaco, egoísta, lunático, inescrupuloso, hipócrita e solitário quanto demonstrou durante o filme se pudesse viver como uma criança normal. A sua precocidade foi justamente a sua ruína, e carregou o fardo de ser um nostálgico decadente.
Orson, como todo bom artista, colocou a sua vida no filme. Pode-se muito bem entender quem é ele pelo personagem que ele criou. Welles foi considerado um gênio já na infância, ao se revelar extremamente apto para o teatro com tão pouca idade. Isso também lhe custou muito caro - a sua liberdade. E na única chance que ele teve de parcialmente reconquistá-la, não titubeou - eis "Cidadão Kane", o único filme no qual os estúdios lhe deram carta branca para que ele usufruísse de toda a sua criatividade. Com apenas 25 anos, colocou seu nome na história do cinema, mesmo que o reconhecimento fosse relativamente tardio, já que o filme, injustamente, só ganhou o Oscar de roteiro original e foi um fracasso de bilheteria.
Ainda assim, como todos os grandes gênios da humanidade, ele ainda teria o prazer de ser devidamente colocado entre os gigantes. Stanley Kubrick, que se considera discípulo de Orson, que o diga. Clássicos como Laranja Mecânica e 2001 talvez sequer existissem se não houvesse a revolução cinematográfica em 1941, com "Cidadão Kane".
Charles, como magnata da imprensa que era, fez tudo o que um jornalista de peso faz - influenciou pessoas, distorceu informações, manipulou seus leitores, difamou autoridades, foi contraditório, colocou seu ego acima de tudo e todos. Teve suas glórias, e chegou ao auge em 1916, quando esteve a ponto de ser eleito o governador de seu estado. Infelizmente para ele, sua arrogância lhe custou caro - o governador, candidato à reeleição, descobriu que ele tinha uma amante, e o deixou em uma encruzilhada - ou diminuía as críticas agressivas e desistia da promessa de, caso eleito, prender o seu adversário no pleito, e esquecia a sua amante Susan; ou a notícia estamparia os jornais e Kane perderia as eleições, reprovado pela opinião pública a respeito do adultério. O protagonista, cego pelo orgulho, não impediu que o caso fosse parar na imprensa, e perdeu a eleição e a esposa.
A sua vida e carreira, então, entraram em uma nova etapa - o jornalista, "defensor dos pobres" e panfletário de 1895 a 1916 virou um excêntrico e recluso milionário, e ele acabou se casando com a sua amante, uma medíocre cantora lírica, que, apesar de todos os esforços de Kane (como colocar nos jornais resenhas mentirosas sobre as óperas de sua esposa, qualificando-as como boas), não demonstrou talento algum.
Um dos maiores mistérios do filme seria justamente o significado de Rosebud, a última palavra proferida por Kane antes de falecer. Um dos diálogos nas cenas finais correspondeu exatamente à metalinguagem representada pelo seu globo de neve e pelo trenó que Charles tinha aos 8 anos de idade, antes de ficar aos cuidados de um tutor e ter seu destino traçado. Ele, no seu auge, tinha tudo, menos algo. Só falta uma peça desse seu quebra-cabeça. E tal peça seria justamente a infância perdida - seu dom foi justamente a sua perdição.
"Cidadão Kane" é a quintessência do quanto um filme pode ser expressionista, dramático, intenso, profundo, revelador, brilhante - enfim, uma obra-prima inigualável.
Talvez o personagem possa se resumir nessa seguinte frase: "Sim, graças ao jornal, vou perder 1 milhão nesse ano. E perdi 1 milhão no ano passado. E vou perder outro no ano que vem. Nesse ritmo, teremos que fechar daqui a 60 anos".
[Este é o post de número 200 em Racio Símio. E "Cidadão Kane" é muito mais do que digno de ser esse post comemorativo]
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Well...
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