Grow Up and Blow Away
Os seis reuníram-se no café (ok, na verdade em uma padaria) para discutir as boas e velhas banalidades.
Henrique e Mário, sem renegar seu passado (e presente) nerdístico, não paravam de pensar em Olimpíadas. Este, nacionalista como sempre, elogiava a campanha brasileira; enaltecia certas surpresas, como o ouro de Cielo e Maggi, a prata de Scheidt ("Afinal, para alguém que mudou de categoria há tão pouco tempo, o resultado foi muito bom, a despeito do lance de sorte na última regata") e o crescimento em outras modalidades, como a ginástica artística e o taekwondo. Isso sem falar no total de 15 medalhas, repetindo o recorde de Atenas, e, finalmente, à frente de Cuba no nº de ouros.
Seu amigo logo o rebateu, lembrando-se dos inúmeros fracassos da delegação tupiniquim em Pequim. Para ele, três das quatro medalhas de prata poderiam tranqüilamente ter sido ouro; Henrique afirma que tanto o vôlei de praia masculino ("No 3º set, devem ter se esquecido que estavam em uma final") quanto o futebol feminino ("Faltou trabalho em equipe; excesso de arrancadas individuais e escassez de cuidado com a defesa") e o vôlei 'de quadra' masculino ("Talvez os americanos perderam o primeiro set de propósito, só para conhecer melhor o jogo deles e arrasá-los nos sets seguintes. Isso sem falar na colaboração do escrete canarinho, que errou muito mais do que o normal nos saques e na recepção") amarelaram na hora decisiva.
Além disso, não via sentido em comemorar derrotas que não podiam ser minimizadas: salto em distância masculino, futebol masculino ("Para os argentinos, vencer aquele jogo foi como chutar cachorro morto"), judô, hipismo, basquete feminino ("Especialista em derrotas nos últimos segundos") e na própria ginástica ("Encheram tanto a bola do Diego e da Daiane que eu já pressentia um fracasso").
Júlia riu do tom trágico que ele adotou em suas reflexões. Disse que ficar lamentando fracassos esportivos era excesso de ócio não-criativo. Estava mais interessada nos filmes e bandas que havia descoberto no início de Agosto. Por exemplo, (re)descobrir a carreira solo de artistas de conjuntos que ela adorava - The Breeders e Morrissey podiam ser melhores do que um fã xiita de Pixies e Smiths (como ela própria) imaginavam.
César, embora tenha torcido mais do que imaginava nos jogos a que assistiu, logo esqueceu as Olimpíadas, afinal tinha coisas mais interessantes com que se ocupar (bons livros, por exemplo). Agora que havia terminado "A Insustentável Leveza do Ser" ("Aliás, que final belo e melancólico teve a obra... qualquer dia desses farei uma resenha"), está a pensar no próximo. "Ação Humana" seria uma boa pedida, mas que tal algo mais cáustico como "O Imbecil Coletivo" (Olavo de Carvalho)?
Giovana, após ter solucionado mais um período de dilemas e inconstâncias, nem tivera tempo disponível para ver os Jogos. Além disso, já estava muito atribulada com as matérias da universidade, cujos estudos lhe ocupavam até nos fins de semana. Ainda bem que havia janelas em seu horário para respirar um pouco.
Já Alice... bem, não surpreendentemente ela estava semi-acordada, afinal havia ido a uma balada na noite anterior. Nem sabia por que tinha topado o convite dos amigos para sair naquela manhã, mas, de qualquer maneira, sua tolerância à sociabilização não estava abaixo do normal naquele domingo.
Como uma pequena vingança, não deixava de pensar na vidinha besta que desenvolvia com seus 5 melhores amigos. Conhecera-os em circunstâncias diferentes, embora, com a exceção de Giovana, em um espaço temporal curtíssimo. Henrique ainda era aquele por quem mais se simpatizava, embora não conseguisse parar de falar de política e futebol com um viés 'Eu faria melhor que eles'. Mário deixava-se encantar pelas suas idealizações: pátria, videogames, amor, matemática... não adiantava pedí-lo para voltar à realidade. Júlia bancava a arrogante, sempre destilando desprezo e sarcasmo, talvez para negar sua "essência" gentil ou fingir ser uma garota independente e auto-suficiente. César sempre desviava o assunto da conversa para comentar o último livro que havia lido ou sobre como tinha idéias brilhantes que poderiam mudar o mundo - ou, pelo menos, gerar um livro razoável. Tsc, tsc. E Giovana? Ah, nem faria sentido criticá-la, pois ela mesma já o fazia em seus, digamos, lapsos freqüentes de negativismo (ou, quem sabe, realismo).
Pronto, já havia despejado mentalmente (e verbalmente, afinal deliberadamente pensava alto) o que achava daquela conversa. Todos riram, um ou outro ficou magoado e as digressões continuaram.
(Incrementações realizadas em torno das 18:40, depois de um cochilo)