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Kaio

 

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30 dezembro 2005

O terceiro mundo do primeiro

Na verdade, essa é uma resenha do filme O Homem Sem Passado, mas durante o texto vou puxar o gancho pra discutir os contrastes sociais na Europa.
O filme, que é finlandês, mostra claramente como são os habitantes desse país escandinavo - vários dos personagens são extremamente frios e gananciosos. Isso acaba sendo bom, pois é realista, afinal, no mundo real, é cada um por si. Quem acredita nas novelas e seus finais felizes e mocinhos com boas intenções, ou é um socialista utópico - me desculpem, mas vocês são tapados. (E sim, isso é uma auto-crítica, pois eu já fui esquerdista e acreditava em teses como a do "homem bom por essência"... argh)
O protagonista é um operário comum, mas um dia é roubado e brutalmente
espancado por arruaceiros, e no hospital, é dado por morto. Contudo, do nada ele acorda no hospital. Mas com um porém - ele ficou com amnésia, e não se lembra sequer de seu nome e de sua família. E no filme inteiro, ele vai vagando, se mete em confusões, e até irrita alguns policiais, que acham que ele se recusa a revelar sua identidade.
Vendo o filme, eu me lembrei de muita coisa, principalmente dos livros do Kafka, que falam sobre ser apenas mais um na multidão, um anônimo; mas mesmo assim se sentir diferente, anormal. Mas o personagem age como um Forrest Gump: inocente e ingênuo, e muitos se aproveitam dele por isso.
Contudo, ele consegue encontrar quem se importe com ele, principalmente Irma, que até ajuda ele a arranjar um emprego. Ele é uma boa pessoa no meio de tantos aproveitadores, e consegue ajudar e se simpatizar com todos que estão por perto - inclusive incentivar músicos fracassados a ouvirem discos de blues e rock e mudarem seu estilo musical.
"O Homem sem Passado" é um filme impecável, e mereceu a tonelada de prêmios que ganhou. Novamente o cinema europeu, que é vítima de estereótipos e críticas do tipo "filmes estranhos, sem pé nem cabeça", mostra que prioriza a inteligência e a reflexão. Que as cenas de ação e o populismo fiquem pra Hollywood.

Ah, sim, sobre a politização do filme. Enquanto eu assista à película, cheguei a duvidar que ele fosse finlandês. Afinal, esse é um país considerado de Primeiro Mundo, tem um IDH acima dos 0,920, um alto padrão de vida, etc. Mas o que se vê lá é outra realidade. Pessoas que ralam para se darem bem na vida, dificuldades econômicas, um Estado ineficaz e sobrecarregado, pobreza, arrogância dos mais abastados, etc. Será que a Finlândia que aparece nos livros e na TV, o "paraíso da social-democracia", o "país com mais celulares per capita", a "nação do progresso financeiro", na verdade, é uma farsa? Rla, assim como qualquer país "normal", tem desigualdades, pessoas com dificuldades para sobreviver nesse mundo globalizado, etc.
Quase como um país do Leste Europeu. Isso porque ela foi capitalista e praticamente neutra na Guerra Fria, mantendo boas relações tanto com EUA quanto URSS. Se vocês aindam sonham em ir pra Escandinávia porque acham que irão para países em que reina o welfare state e a qualidade da vida, é melhor pensarem duas vezes. Desemprego, miséria e sofrimento não são exclusividade de africanos, latinos e asiáticos. O Primeiro Mundo também tem seus podres.

 

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