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Kaio

 

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14 julho 2021

Argentina e Itália, campeãs continentais

 

No Maracanã, a Argentina derrotou a seleção anfitriã e venceu a Copa América após 28 anos. Em Wembley, a Itália superou a dona da casa e reconquistou a Eurocopa após 53 anos.

Embora os desfechos dos dois maiores torneios continentais de futebol tenham sido semelhantes, as comparações param por aí. A Copa América 2021 demorou a engrenar e só de fato ficou animada nas quartas-de-final; a sua final foi um esperado embate entre as duas melhores seleções sul-americanas, com a Argentina enfim triunfando após décadas sem superar o Brasil em mata-matas. Já a Euro 2020 teve sua melhor média de gols desde 1976 (2,78 por jogo) e manteve o alto nível técnico da primeira à última partida – e, coincidentemente, a Azzurra jogou em ambas, com bela vitória na abertura por 3x0 contra a Turquia e um título após decisão por pênaltis contra a Inglaterra.

 


ARGENTINA 1x0 BRASIL: a Albiceleste entrou bem mais ligada no jogo do que a seleção brasileira. Esta cometeu vacilos defensivos que não costuma cometer, enquanto os argentinos jogaram com muita raça. Em um contra-ataque, De Paul lançou a bola para Di María, que fez um golaço aos 21 minutos – aliás, que tenha sido justamente nesta marca do cronômetro foi algo bem emblemático, segundo Avi Creditor: “Esse minuto teve um papel único na recente infâmia argentina. No 21º minuto contra a Alemanha em 2014, Gonzalo Higuaín perdeu uma grande oportunidade depois que Toni Kroos cabeceou de trás para frente, sem marcação. Aos 21 minutos da final da Copa América Centenário de 2016, Higuaín pressionou, roubou a bola e foi direto para o gol, apenas para passar ao lado da baliza. (...) Se algum dia houvesse algum tipo de símbolo de que esta noite seria diferente, talvez fosse isso.”

A seleção brasileira voltou um pouco melhor do intervalo, mas não parecia realmente capaz de reverter a situação. A melhor chance foi em um voleio de Gabigol, brilhantemente defendido por Emiliano Martínez.

A Argentina, em pleno Maracanã, e vencendo logo o Brasil, quebrou um tabu que vinha desde 1993. Nesse intervalo ela perdeu 7 finais (1 de Copa do Mundo, 4 de Copa América, 2 de Copa das Confederações). A Albiceleste foi se entrosando ao longo do torneio, e chegou a seu ápice justamente na grande final. O técnico Lionel Scaloni, que conseguiu o cargo de forma improvisada em 2018 (era o assistente técnico de Jorge Sampaoli), teve um percurso contestado ao longo dos últimos 3 anos, mas vem melhorando sua seleção, e inclusive conseguiu corrigir um dos problemas crônicos dela: a defesa, que foi bem segura ao longo do torneio, sofrendo apenas 3 gols em 7 jogos. Lionel Messi, melhor jogador do mundo (ao lado de Cristiano Ronaldo) na última década e meia, aos 34 anos enfim ganhou o título pela seleção argentina que faltava em seu excelente currículo. Ele foi o melhor jogador do torneio, mas curiosamente não brilhou na final; como bem notou Bruno Bonsanti, “a grande ironia da histórica conquista da Argentina e de Messi é que, no maior jogo da Copa América, o título saiu muito mais pelo coletivo que durante 15 anos todos disseram que lhe faltava do que pela sua própria exibição.”

Ao Brasil de Tite, após essa dolorida derrota em casa, cabe uma reflexão sobre o que precisa ser melhorado até a Copa de 2022. O técnico explicitamente adotou a Copa América como um período para fazer testes e ajustes; porém, o time titular que entrou a partir das quartas-de-final não rendeu como o esperado – e em parte isso se deveu à expulsão infantil de Gabriel Jesus nas quartas, a qual tornou o jogo contra o Chile mais difícil e deixou a equipe sem um jogador importante para os dois jogos seguintes. A defesa brasileira sob Tite é em geral segura, apesar da falha de Renan Lodi que levou ao gol argentino. Um problema que parecia ter sido resolvido na Copa América 2019, mas vemos que não foi, é como deixar a seleção menos dependente de Neymar. Concordo com Leonardo Miranda: “Falta o camisa 5 que pensa o jogo e consegue dar um passe para Neymar (...). Isso acelera o jogo, porque Ney não precisa vir buscar a bola tão longe. (...) [O] time pra 2022 tem defeitos na parte ofensiva, na criação. (...) O número 5 que arma o jogo pode suprir essa ausência.” A boa notícia é que Tite terá certa tranqüilidade para resolver esses problemas ao longo das eliminatórias – já que o Brasil está com 100% de aproveitamento e tem risco mínimo de ficar fora da Copa.

 


ITÁLIA 1x1 INGLATERRA (3x2 NOS PÊNALTIS): It's coming Rome! Forza Italia! A Azzurra é bicampeã da Eurocopa! Foi nos pênaltis, tal como no tetra mundial em 2006!

A Inglaterra abriu o placar logo aos 2 minutos, para delírio dos quase 60 mil torcedores ingleses em Wembley. Em uma jogada bem rápida, Trippier fez um cruzamento perfeito para Shaw, que finalizou muito bem. Parecia que o técnico Gareth Southgate mais uma vez se daria bem usando uma tática específica para seu adversário – no caso, o 3-4-3 para se proteger das ofensivas italianas com três zagueiros e ao mesmo tempo dominar o meio-campo.

O problema é que a equipe inglesa ficou defensiva demais, e no resto da partida criou poucas chances de fazer o 2º e “matar” o jogo. Se no meu post anterior eu questionava se a Argentina conseguiria segurar uma vantagem no placar, o que a final européia mostrou é que o English Team padece ainda mais dessa dificuldade, e foi duramente punido por isso.

Já os Azzurri, após o susto de estarem em desvantagem logo no início, conseguiram se reerguer e dominaram o resto do tempo regulamentar. Chiesa quase fez um gol de fora da área no 1º tempo, e a blitz no início do 2º tempo foi notável, com pelo menos 4 oportunidades de empatar o jogo – a última delas enfim entrando, com uma cobrança de escanteio na qual, após certo bate-rebate, o zagueiro Bonucci conseguiu colocar a bola na rede.

Os italianos até estavam em um momentum favorável para uma virada, mas a saída de Chiesa (que ficou mancando após um contra-ataque em que caiu após empurrão de Walker) e as substituições na seleção inglesa – a qual inclusive retornou o esquema tático para o 4-3-3 usado durante a maior parte da Euro – voltaram a deixar a partida equilibrada. A Euro 2020 teria sua 4ª disputa por pênaltis, e curiosamente elas se desenvolveram de forma quase teleológica: a França foi derrotada pela Suíça nas oitavas-de-final; esta foi superada pela Espanha nas quartas; os espanhóis caíram para a Itália na semifinal; e agora os italianos teriam que encarar os ingleses na marca de cal na grande final. Só não foi uma “cadeia alimentar” completa porque a Azzurra foi a única que venceu duas decisões de penais; aliás, é a 1ª vez que isso ocorre em uma edição da Eurocopa.

Não foi por falta de esforço de Pickford, que pegou duas cobranças italianas, uma delas de Jorginho, o destaque da decisão contra a Espanha; mas, os cobradores ingleses perderam três. Todas delas podem ser colocadas na conta de Southgate, que a três minutos do fim da prorrogação colocou Rashford e Sancho em campo, especificamente para cobrarem pênaltis. Desta vez os planos meticulosos do técnico inglês não saíram como esperado, pois uma coisa é ter bom aproveitamento nos treinos, outra é estar com ritmo de jogo, ainda mais em uma final. Rashford tentou dar uma de Jorginho, mas chutou na trave; Sancho teve sua batida espalmada por Gianluigi Donnarumma. O goleiro italiano foi o herói da partida (e foi eleito com justiça o melhor jogador dessa Euro) ao defender uma 2ª cobrança: a de Saka, outra decisão equivocada de Southgate, afinal quem coloca como batedor um jogador de apenas 19 anos que nunca cobrou um pênalti no futebol profissional (a última vez que havia cobrado um fora em Janeiro de 2019, ainda nas categorias de base)?

Os 7 mil apoiadores da seleção italiana em Wembley ririam por último. A Itália não se rendeu, foi melhor no resto da partida e mereceu o empate no tempo normal e a vitória de virada nos pênaltis. Com isso, celebra um título de Eurocopa pela 1ª vez desde 1968, e deixa os ingleses ainda presos ao tabu de títulos que vem desde a Copa do Mundo de 1966.

Separo aqui três das melhores análises que li sobre o título italiano (e o vice inglês):

Jonathan Wilson: “Toda aquela conversa sobre novas eras ousadas, todas as pesquisas, todos os planos, toda a mudança de humor e, no final, descobriu-se que a Inglaterra de Gareth Southgate foi desfeita por duas falhas muito familiares: a tendência de cair fundo [deep drop] na defesa de uma vantagem, e a incapacidade de marcar em uma decisão de pênaltis. (...) A derrota não acaba com a sensação de progresso ou invalida o processo. A Inglaterra deve ser uma desafiante na Copa do Mundo daqui a 18 meses. Poderá, como fez a França, usar a derrota em casa na final da Euro como inspiração para ganhar o prêmio maior. A Itália fez essa jornada muito mais rápido do que parecia possível. (...) À medida que a Serie A muda, há uma curiosa sensação de que Mancini e Itália representam algo muito raro no futebol moderno: uma seleção na vanguarda da mudança tática. Sempre há limites por causa da falta de tempo disponível, mas Mancini capturou o novo clima. Esta é muito a ‘sua’ equipe. Podem faltar as estrelas óbvias de algumas seleções anteriores da Itália, mas há uma estrutura tática coerente e um time de jogadores dedicados que acreditam na filosofia.”

Felipe Portes: “Minha geração, nascida e forjada nos anos 1990, com uma Serie A forte que decaiu brutalmente na virada para o novo milênio, não havia visto uma Itália com tanta organização, vontade e predestinação. Nos acostumamos àquela safra memorável que foi campeã mundial em 2006, aos trancos e barrancos, e pensávamos, do alto de nossa rasa sabedoria, que aquilo era o resumo do melhor que o futebol italiano poderia entregar. (...) A Itália versão 2021 passou dos 30 jogos invictos, encantou, jogou ofensivamente, atacou, ficou com a bola, colocou grandes adversários nas cordas e mereceu muito ser campeã, não foi mera obra do acaso. Tomou cedo um gol da Inglaterra, que foi fruto de falhas de marcação, mas se entendeu com seus nervos e foi atrás da reação. Poderia muito bem ter matado os rivais no tempo normal, mas o destino quis que o drama desse outra carga de cores a um dia tão peculiar.

Leandro Stein: “A escolha de Mancini se respaldava em sua história. Foi um dos maiores atacantes do futebol italiano nos anos 1980 e 1990, defendeu a seleção como jogador – ainda que sua trajetória com a Azzurra não fosse exatamente feliz ou à altura de seu talento. Como treinador, iniciou eras vitoriosas à frente de Internazionale e Manchester City, encerrando tabus. (...) ‘Eu gosto de futebol ofensivo. Eu sei que nós ganhamos quatro Copas do Mundo jogando do modo italiano, mas eu acho que nós podemos jogar de modo mais ofensivo hoje. Os dias de jogar um futebol defensivo e de contra-ataque acabaram’, diria Mancini, em fevereiro de 2020.  (...) ‘Nós tentamos melhorar os muitos bons jogadores jovens italianos que a Serie A ofereceu e até aqui nós tivemos sucesso. Não é verdade que o futebol italiano sofre com falta de talentos, você precisa apenas ter coragem para deixá-los jogar. Eu prefiro um jogador menos disciplinado taticamente, como eu era, do que um mais regular, mas com menos talento’, apontaria o técnico, também em fevereiro de 2020. (...) A impressão é de que esta Itália não para por aqui. Reconquistar títulos não é simples, mas há uma equipe capaz de fazer bons papéis nos grandes torneios e deixar sua marca numa Copa do Mundo – como não acontece no país desde 2006. (...) E o Mundial representa mais ao técnico, considerando sua decepção de sequer ter entrado em campo em 1990. Não esconde o lamento do passado, mas o transforma em motivação. Roberto Mancini recuperou o futebol da Azzurra, com um estilo que a seleção nunca teve. Rejuvenesceu o elenco para apresentar o talento nascente no país e para referendar as novas ideias implantadas nos clubes. Mais importante, reencontrou um motivo para seus jogadores sorrirem, num grupo exemplar em sua união.”

P.S.: Foi a primeira vez que o meu time do coração (Palmeiras), a equipe pela qual torço na Europa (Internazionale) e a minha seleção preferida desde criança (Itália) ganharam títulos no mesmo ano! Conquistaram, respectivamente: Libertadores e Copa do Brasil; Serie A; Eurocopa.

 

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