Argentina e Itália, campeãs continentais
No Maracanã, a Argentina derrotou
a seleção anfitriã e venceu a Copa América após 28 anos. Em Wembley, a Itália superou
a dona da casa e reconquistou a Eurocopa após 53 anos. Embora os desfechos dos dois
maiores torneios continentais de futebol tenham sido semelhantes, as
comparações param por aí. A Copa América 2021 demorou a engrenar e só de fato
ficou animada nas quartas-de-final; a sua final foi um esperado embate entre as
duas melhores seleções sul-americanas, com a Argentina enfim triunfando após
décadas sem superar o Brasil em mata-matas. Já a Euro 2020 teve sua melhor
média de gols desde 1976 (2,78 por jogo) e manteve o alto nível técnico da primeira à
última partida – e, coincidentemente, a Azzurra jogou em ambas, com bela
vitória na abertura por 3x0 contra a Turquia e um título após decisão por
pênaltis contra a Inglaterra. ARGENTINA 1x0 BRASIL: a
Albiceleste entrou bem mais ligada no jogo do que a seleção brasileira. Esta
cometeu vacilos defensivos que não costuma cometer, enquanto os argentinos jogaram
com muita raça. Em um contra-ataque, De Paul lançou a bola para Di María, que
fez um golaço aos 21 minutos – aliás, que tenha sido justamente nesta marca do
cronômetro foi algo bem emblemático, segundo Avi Creditor: “Esse minuto teve um papel único na recente
infâmia argentina. No 21º minuto contra a Alemanha em 2014, Gonzalo Higuaín
perdeu uma grande oportunidade depois que Toni Kroos cabeceou de trás para
frente, sem marcação. Aos 21 minutos da final da Copa América Centenário de
2016, Higuaín pressionou, roubou a bola e foi direto para o gol, apenas para
passar ao lado da baliza. (...) Se algum dia houvesse algum tipo de símbolo de
que esta noite seria diferente, talvez fosse isso.” A seleção brasileira voltou um
pouco melhor do intervalo, mas não parecia realmente capaz de reverter a
situação. A melhor chance foi em um voleio de Gabigol, brilhantemente defendido
por Emiliano Martínez. A Argentina, em pleno Maracanã, e
vencendo logo o Brasil, quebrou um tabu que vinha desde 1993. Nesse intervalo
ela perdeu 7 finais (1 de Copa do Mundo, 4 de Copa América, 2 de Copa das
Confederações). A Albiceleste foi se entrosando ao longo do torneio, e chegou a
seu ápice justamente na grande final. O técnico Lionel Scaloni, que conseguiu o
cargo de forma improvisada em 2018 (era o assistente técnico de Jorge
Sampaoli), teve um percurso contestado ao longo dos últimos 3 anos, mas vem
melhorando sua seleção, e inclusive conseguiu corrigir um dos problemas crônicos
dela: a defesa, que foi bem segura ao longo do torneio, sofrendo apenas 3 gols
em 7 jogos. Lionel Messi, melhor jogador do mundo (ao lado de Cristiano
Ronaldo) na última década e meia, aos 34 anos enfim ganhou o título pela
seleção argentina que faltava em seu excelente currículo. Ele foi o melhor jogador
do torneio, mas curiosamente não brilhou na final; como bem notou Bruno Bonsanti, “a grande ironia da histórica conquista da
Argentina e de Messi é que, no maior jogo da Copa América, o título saiu muito
mais pelo coletivo que durante 15 anos todos disseram que lhe faltava do que
pela sua própria exibição.” Ao Brasil de Tite, após essa
dolorida derrota em casa, cabe uma reflexão sobre o que precisa ser melhorado
até a Copa de 2022. O técnico explicitamente adotou a Copa América como um
período para fazer testes e ajustes; porém, o time titular que entrou a partir
das quartas-de-final não rendeu como o esperado – e em parte isso se deveu à
expulsão infantil de Gabriel Jesus nas quartas, a qual tornou o jogo contra o
Chile mais difícil e deixou a equipe sem um jogador importante para os dois
jogos seguintes. A defesa brasileira sob Tite é em geral segura, apesar da
falha de Renan Lodi que levou ao gol argentino. Um problema que parecia ter
sido resolvido na Copa América 2019, mas vemos que não foi, é como deixar a seleção
menos dependente de Neymar. Concordo com Leonardo Miranda: “Falta o camisa 5 que pensa o jogo e consegue dar um passe para Neymar (...).
Isso acelera o jogo, porque Ney não precisa vir buscar a bola tão longe. (...)
[O] time pra 2022 tem defeitos na parte ofensiva, na criação. (...) O número 5
que arma o jogo pode suprir essa ausência.” A boa notícia é que Tite terá certa
tranqüilidade para resolver esses problemas ao longo das eliminatórias – já que
o Brasil está com 100% de aproveitamento e tem risco mínimo de ficar fora da
Copa. ITÁLIA 1x1 INGLATERRA (3x2 NOS PÊNALTIS):
It's coming Rome! Forza Italia! A Azzurra é bicampeã da Eurocopa! Foi nos
pênaltis, tal como no tetra mundial em 2006! A Inglaterra abriu o placar logo
aos 2 minutos, para delírio dos quase 60 mil torcedores ingleses em Wembley. Em
uma jogada bem rápida, Trippier fez um cruzamento perfeito para Shaw, que
finalizou muito bem. Parecia que o técnico Gareth Southgate mais uma vez se
daria bem usando uma tática específica para seu adversário – no caso, o 3-4-3
para se proteger das ofensivas italianas com três zagueiros e ao mesmo tempo
dominar o meio-campo. O problema é que a equipe inglesa
ficou defensiva demais, e no resto da partida criou poucas chances de fazer o
2º e “matar” o jogo. Se no meu post anterior eu questionava se a Argentina
conseguiria segurar uma vantagem no placar, o que a final européia mostrou é
que o English Team padece ainda mais dessa dificuldade, e foi duramente punido
por isso. Já os Azzurri, após o susto de
estarem em desvantagem logo no início, conseguiram se reerguer e dominaram o
resto do tempo regulamentar. Chiesa quase fez um gol de fora da área no 1º
tempo, e a blitz no início do 2º tempo foi notável, com pelo menos 4
oportunidades de empatar o jogo – a última delas enfim entrando, com uma
cobrança de escanteio na qual, após certo bate-rebate, o zagueiro Bonucci
conseguiu colocar a bola na rede. Os italianos até estavam em um momentum favorável para uma virada, mas a saída de Chiesa (que ficou mancando após um
contra-ataque em que caiu após empurrão de Walker) e as substituições na
seleção inglesa – a qual inclusive retornou o esquema tático para o 4-3-3 usado
durante a maior parte da Euro – voltaram a deixar a partida equilibrada. A Euro
2020 teria sua 4ª disputa por pênaltis, e curiosamente elas se desenvolveram de
forma quase teleológica: a França foi derrotada pela Suíça nas oitavas-de-final;
esta foi superada pela Espanha nas quartas; os espanhóis caíram para a Itália
na semifinal; e agora os italianos teriam que encarar os ingleses na marca de
cal na grande final. Só não foi uma “cadeia alimentar” completa porque a
Azzurra foi a única que venceu duas decisões de penais; aliás, é a 1ª vez que
isso ocorre em uma edição da Eurocopa. Não foi por falta de esforço de
Pickford, que pegou duas cobranças italianas, uma delas de Jorginho, o destaque
da decisão contra a Espanha; mas, os cobradores ingleses perderam três. Todas
delas podem ser colocadas na conta de Southgate, que a três minutos do fim da
prorrogação colocou Rashford e Sancho em campo, especificamente para cobrarem
pênaltis. Desta vez os planos meticulosos do técnico inglês não saíram como
esperado, pois uma coisa é ter bom aproveitamento nos treinos, outra é estar
com ritmo de jogo, ainda mais em uma final. Rashford tentou dar uma de
Jorginho, mas chutou na trave; Sancho teve sua batida espalmada por Gianluigi Donnarumma.
O goleiro italiano foi o herói da partida (e foi eleito com justiça o
melhor jogador dessa Euro) ao defender uma 2ª cobrança: a de Saka, outra decisão
equivocada de Southgate, afinal quem coloca como batedor um jogador de apenas
19 anos que nunca cobrou um pênalti no futebol profissional (a última vez que
havia cobrado um fora em Janeiro de 2019, ainda nas categorias de base)? Os 7 mil apoiadores da seleção
italiana em Wembley ririam por último. A Itália não se rendeu, foi melhor no
resto da partida e mereceu o empate no tempo normal e a vitória de virada nos
pênaltis. Com isso, celebra um título de Eurocopa pela 1ª vez desde 1968, e
deixa os ingleses ainda presos ao tabu de títulos que vem desde a Copa do Mundo
de 1966. Separo aqui três das melhores
análises que li sobre o título italiano (e o vice inglês): Jonathan Wilson:
“Toda aquela conversa sobre novas eras ousadas, todas as pesquisas, todos os
planos, toda a mudança de humor e, no final, descobriu-se que a Inglaterra de
Gareth Southgate foi desfeita por duas falhas muito familiares: a tendência de
cair fundo [deep drop] na defesa de
uma vantagem, e a incapacidade de marcar em uma decisão de pênaltis. (...) A
derrota não acaba com a sensação de progresso ou invalida o processo. A
Inglaterra deve ser uma desafiante na Copa do Mundo daqui a 18 meses. Poderá,
como fez a França, usar a derrota em casa na final da Euro como inspiração para
ganhar o prêmio maior. A Itália fez essa jornada muito mais rápido do que
parecia possível. (...) À medida que a Serie A muda, há uma curiosa sensação de
que Mancini e Itália representam algo muito raro no futebol moderno: uma
seleção na vanguarda da mudança tática. Sempre há limites por causa da falta de
tempo disponível, mas Mancini capturou o novo clima. Esta é muito a ‘sua’
equipe. Podem faltar as estrelas óbvias de algumas seleções anteriores da
Itália, mas há uma estrutura tática coerente e um time de jogadores dedicados
que acreditam na filosofia.” Felipe Portes:
“Minha geração, nascida e forjada nos anos 1990, com uma Serie A forte que
decaiu brutalmente na virada para o novo milênio, não havia visto uma Itália
com tanta organização, vontade e predestinação. Nos acostumamos àquela safra
memorável que foi campeã mundial em 2006, aos trancos e barrancos, e
pensávamos, do alto de nossa rasa sabedoria, que aquilo era o resumo do melhor
que o futebol italiano poderia entregar. (...) A Itália versão 2021 passou dos
30 jogos invictos, encantou, jogou ofensivamente, atacou, ficou com a bola,
colocou grandes adversários nas cordas e mereceu muito ser campeã, não foi mera
obra do acaso. Tomou cedo um gol da Inglaterra, que foi fruto de falhas de
marcação, mas se entendeu com seus nervos e foi atrás da reação. Poderia muito
bem ter matado os rivais no tempo normal, mas o destino quis que o drama desse
outra carga de cores a um dia tão peculiar.” Leandro Stein:
“A escolha de Mancini se respaldava em sua história. Foi um dos maiores
atacantes do futebol italiano nos anos 1980 e 1990, defendeu a seleção como
jogador – ainda que sua trajetória com a Azzurra não fosse exatamente feliz ou
à altura de seu talento. Como treinador, iniciou eras vitoriosas à frente de
Internazionale e Manchester City, encerrando tabus. (...) ‘Eu gosto de futebol
ofensivo. Eu sei que nós ganhamos quatro Copas do Mundo jogando do modo
italiano, mas eu acho que nós podemos jogar de modo mais ofensivo hoje. Os dias
de jogar um futebol defensivo e de contra-ataque acabaram’, diria Mancini, em
fevereiro de 2020. (...) ‘Nós tentamos
melhorar os muitos bons jogadores jovens italianos que a Serie A ofereceu e até
aqui nós tivemos sucesso. Não é verdade que o futebol italiano sofre com falta
de talentos, você precisa apenas ter coragem para deixá-los jogar. Eu prefiro
um jogador menos disciplinado taticamente, como eu era, do que um mais regular,
mas com menos talento’, apontaria o técnico, também em fevereiro de 2020. (...)
A impressão é de que esta Itália não para por aqui. Reconquistar títulos não é
simples, mas há uma equipe capaz de fazer bons papéis nos grandes torneios e
deixar sua marca numa Copa do Mundo – como não acontece no país desde 2006.
(...) E o Mundial representa mais ao técnico, considerando sua decepção de
sequer ter entrado em campo em 1990. Não esconde o lamento do passado, mas o
transforma em motivação. Roberto Mancini recuperou o futebol da Azzurra, com um
estilo que a seleção nunca teve. Rejuvenesceu o elenco para apresentar o
talento nascente no país e para referendar as novas ideias implantadas nos
clubes. Mais importante, reencontrou um motivo para seus jogadores sorrirem,
num grupo exemplar em sua união.” P.S.: Foi a primeira vez que o meu
time do coração (Palmeiras), a equipe pela qual torço na Europa
(Internazionale) e a minha seleção preferida desde criança (Itália) ganharam
títulos no mesmo ano! Conquistaram, respectivamente: Libertadores e Copa do
Brasil; Serie A; Eurocopa.