Uma análise dos "playoffs" da Eurocopa e da Copa América
As duas principais competições continentais do futebol mundial chegaram às semifinais, após quartas-de-final (e, no caso da Eurocopa, também oitavas) repletas de bons jogos. A Euro 2020 vem sendo a melhor edição do torneio desde 2000, por vários motivos: futebol bem ofensivo, digno de mata-mata da Champions League; várias seleções adotando esquemas táticos pouco usuais (seja pelo esquema em si, como o 3-4-3, ou em relação às formações táticas que cada seleção costumava usar); o nível técnico das seleções está mais equilibrado, o que permitiu jogos cheios de reviravoltas . Já a Copa América, a impressão que ficou é que o torneio começou de verdade nas quartas, após uma fase de grupos morna – em grande parte graças ao regulamento, com apenas 2 grupos de 5 seleções, nos quais apenas a última colocada era eliminada.
As semifinais da Euro começam daqui a menos de duas horas; as da Copa
América começaram ontem à noite, com vitória do Brasil sobre o Peru.
Eis um balanço do que ocorreu nos jogos eliminatórios dos últimos
dias:
OITAVAS-DE-FINAL DA EURO 2020
- País de Gales 0x4 Dinamarca: a seleção dinamarquesa realmente
“desencantou” na goleada contra a Rússia, e repetiu a dose contra os galeses.
Nos dois últimos gols, que saíram nos minutos finais, a equipe capitaneada por
Bale já estava rendida. País de Gales não conseguiu repetir a campanha
semifinalista da Euro 2016, e terão pela frente um grupo difícil na
eliminatória para a Copa de 2022, com Bélgica e República Tcheca.
- Itália 2x1 Áustria: Que sufoco os italianos passaram! Os austríacos
deram muito trabalho para a Azzurra, que só conseguiu abrir o placar no início
da prorrogação. Os reservas entraram bem; dois deles (Chiesa e Pessina)
inclusive fizeram os gols. Quando parecia que o jogo já estava resolvido, a
Áustria finalmente quebrou o “clean sheet” da defesa italiana, e pressionou nos
minutos finais. A equipe treinada por Roberto Mancini passou por seu primeiro
teste difícil na Copa, após uma 1ª fase tranqüila.
- Holanda 0x2 República Tcheca: um dos resultados mais inusitados das
oitavas. Malen perdeu uma chance incrível para os holandeses, e o castigo veio
segundos depois: em contra-ataque tcheco, De Ligt foi expulso por colocar a mão
na bola em chance clara de gol. Holeš fez o primeiro gol dos bávaros e o
artilheiro Schick, o segundo. Após uma ótima fase de grupos, a Holanda não
jogou bem; já no 1º tempo estava sendo dominada pela seleção tcheca, e no 2º,
depois do gol perdido e da expulsão, mostrou-se incapaz de reação.
- Bélgica 1x0 Portugal: Jonathan Wilson, em sua análise deste jogo,
notou que houve uma inversão de papéis – se em geral a seleção treinada por
Fernando Santos é conhecida pelo pragmatismo e a equipe de Roberto Martínez
prima pela ofensividade, neste jogo os belgas seguraram a pressão após
conseguirem o gol em sua única finalização no 1º tempo (e que finalização de
Thorgan Hazard, pois a bola fez uma curva que a tornou indefensável) e os
lusitanos fizeram uma blitz no 2º tempo, criando muitas chances de gol.
Courtois mais uma vez foi crucial para salvar a Bélgica.
- Espanha 5x3 Croácia: o primeiro dos dois jogos espetaculares de 28
de Junho. Um recuo desastrado de Pedri para Unai Simón levou a um bizarro gol
contra. Veio, contudo, a virada espanhola; o 3x1 parecia ter definido o jogo,
só que a Croácia conseguiu empatar o jogo nos acréscimos. Quando parecia que o
psicológico da seleção espanhola estava abalado, Morata fez um golaço na
prorrogação, e três minutos depois Oyarzabal fechou o placar. Este foi o 2º
jogo com mais gols na história da fase final da Eurocopa, perdendo apenas para
Iugoslávia 5x4 França, em 1960.
- França 3x3 Suíça (4x5 nos pênaltis): a segunda das épicas partidas
de 28/6. Até o fim do tempo regulamentar, o roteiro foi parecido com o de
Espanha x Croácia: a seleção menos cotada abriu o placar, a favorita virou para
3x1 e ainda assim tomou o empate no fim do jogo. Cabe ressaltar, porém, que os
suíços foram melhores que os franceses durante todo o 1º tempo e o início do
2º; a situação mudou quando perderam um pênalti que os deixaria com 2 gols de
vantagem. Pouco depois, a França finalmente começou a jogar bem, com dois gols
de Benzema e um golaço de Pogba. A Françã teve o jogo em suas mãos; a Suíça,
contudo, corajosamente não se rendeu, e conseguiu equalizar o placar, com
direito a um belo tento de Gavranović. Na prorrogação os franceses tiveram
várias oportunidades de resolver o jogo, inclusive uma emque Mbappé chutou com
o pé errado. Vieram os pênaltis, nos quais a seleção helvética nunca tinha
vencido em Euro ou Copa do Mundo. Após 9 cobranças em que todos acertaram,
Sommer pegou a cobrança de Mbappé. Os suíços, pela 1ª vez, chegara às quartas
da Eurocopa! Na minha análise anterior sobre a Euro 2020 eu havia dito:
"Os suíços terão que fazer uma partida lendária para ter alguma chance
contra Les Bleus." E não é que eles fizeram?
- Inglaterra 2x0 Alemanha: quem diria que a seleção inglesa encerraria
seu tabu de 55 anos sem vencer a alemã em mata-matas jogando em um esquema
tático 3-4-3 – ou seja, contrariando seu tradicionalíssimo 4-4-2, usado até pelos
técnicos estrangeiros que o English Team já teve (Eriksson e Capelli)? Méritos
do driblador/goleador Sterling, decisivo na jogada do 1º gol; de Pickford, que
fez defesas importantes; e também do técnico Southgate, que leu bem o jogo e
fez a mudança certa (Grealish no lugar de Saka) para decidir o jogo. A
propósito, não foi um bom dia para Müller, que perdeu uma chance incrível de
empatar e mudar o rumo do jogo. O treinador inglês conseguiu superar mais um
trauma de sua seleção, e pode ir longe nessa Euro. Jürgen Klopp se despediu da
Nationalelf após 15 anos; os primeiros 11 foram muito bons (vice-campeão da
Euro 2008, 3º lugar na Copas do Mundo de 2010 e na Euro 2012, campeão mundial
em 2014, 3º lugar na Euro 2016 e campeão da Copa das Confederações de 2017),
mas os últimos 4 mostraram certo desgaste, em especial pela eliminação já na 1ª
fase da Copa de 2018 e pelo rebaixamento na Liga das Nações de 2018/19. O novo
técnico, Hans-Dieter Flick, foi campeão invicto da Champions League pelo Bayern
de Munique, então o futuro germânico é promissor.
- Suécia 1x2 Ucrânia: considerando o desempenho de ambas na fase de
grupos, o resultado do jogo foi surpreendente. Em campo, os ucranianos buscaram
mais o gol, com uma garra que compensava suas limitações técnicas, enquanto os
suecos mais uma vez mostraram ter uma equipe sólida, mas sem criatividade. A
expulsão de Danielson na prorrogação deixou os suecos ainda mais encurralados,
e a vitória ucraniana tardou, mas veio nos acréscimos do 2º tempo extra.
QUARTAS-DE-FINAL DA EURO 2020
- Espanha 1x1 Suíça (3x1 nos pênaltis): quase que a seleção suíça
aprontou para cima de outra favorita! La Roja saiu na frente no placar já no
início do jogo, mas não o ampliou e, na segunda etapa, Shaqiri empatou o jogo. A
vitória espanhola veio apenas nos pênaltis; 5 dos 9 cobradores erraram, sendo 3
deles da Suíça. Seria injusto se a Espanha não se classificasse, pois teve
várias oportunidades de gol, mas esbarrou em uma grande atuação do goleiro
Sommer. A equipe treinada por Luis Enrique ainda oscila muito, mostrando
dificuldade para “matar” os jogos quando está em vantagem. Mesmo assim, a
proposta dele de verticalizar o tiki-taka hispânico é interessante e pode gerar
bons frutos já nesta Euro.
- República Tcheca 1x2 Dinamarca: os dinamarqueses estão fazendo sua
melhor campanha desde que chegaram as quartas-de-final da Copa do Mundo de
1998. Nesta partida fizeram dois gols no 1º tempo (o segundo deles com o
cruzamento de trivela de Mæhle), aguentaram a pressão dos checos no 2º (Schick,
artilheiro da Euro 2020 ao lado de Cristiano Ronaldo, diminiu o placar já aos 4
minutos) e avançam com méritos à
semifinal. Kasper Hjulmand conseguiu moldar uma equipe de futebol mais vistoso
do que a por vezes retranqueira Dinamarca da Copa de 2018, mas sem perder a
consistência que Åge Hareide implantou na equipe. Como bem definiu Jonathan Wilson: “É um padrão recorrente no esporte que uma equipe floresça sob um treinado
carismático quando ele substitui um mestre de tarefas duro que instilou a
estrutura necessária, mas talvez não teve a capacidade de inspirar a
autoconfiança necessária para que os jogadores se expressem plenamente”.
- Ucrânia 0x4 Inglaterra: na 1ª etapa parecia que os ingleses se
contentariam em fazer 1x0 e cozinhar o resto do jogo, mas felizmente na 2ª eles
fizeram mais 3 gols, todos eles de bola aérea. Harry Kane realmente recuperou a
confiança desde que fez um dos gols contra a Alemanha, e desta vez anotou mais
dois. O placar poderia até ter sido maior, tal a superioridade do English Team.
Southgate – que fez nova variação tática na equipe, desta vez um 4-3-3 – é o
primeiro técnico inglês a levar sua seleção a chegar a duas semifinais seguidas
desde o lendário Alf Ramsey, que levou a Copa de 1966 e foi 3º na Eurocopa de
1968. A Inglaterra jogará a semifinal em Wembley, e terá a oportunidade de
chegar à final em casa para a qual não avançou na Euro 1996.
QUARTAS-DE-FINAL DA COPA AMÉRICA 2021
- Paraguai 3x3 Peru (3x4 nos pênaltis): logo no 1º jogo das quartas a
Copa América 2021 tem um 3x3 para chamar de seu. Paraguai e Peru fizeram um
jogo equilibrado e cheio de reviravoltas. Os paraguaios saíram na frente com
Gustavo Gómez, que minutos depois marcou um gol contra. O juiz não marcou um
pênalti claríssimo não marcado para os paraguaios, que tomaram a virada logo
depois. Gómez, que já tinha levado cartão amarelo por reclamação ostensiva, fez
uma falta digna de cartão e foi expulso no fim do 1º tempo. Na etapa final, o
Paraguai reagiu e arrancou o empate; o Peru conseguiu fazer o 3º, mas também
teve um jogador expulso e, aos 45 do 2º tempo, os paraguaios deixaram o placar
em nova igualdade e forçaram a decisão de pênaltis. Apesar de duas boas defesas
de Antony Silva, dois jogadores da Albirroja chutaram para fora e Gallese pegou
um; com isso, 4x3 para os peruanos.
- Brasil 1x0 Chile: os chilenos deram trabalho para a seleção
brasileira, que não fez um bom 1º tempo. O 2º começou promissor, com um gol de
Lucas Paquetá (que tinha acabado de entrar no jogo) logo no primeiro minuto;
contudo, pouco depois Gabriel Jesus foi expulso após um lance em que seu pé
alto acertou o queixo de Mena. Com um jogador a menos, o Brasil foi pressionado
pelo Chile, que chegou a ter um gol anulado por impedimento. A improdutividade
do ataque brasileiro foi compensada pela segurança defensiva, e a equipe
avançou às semifinais.
- Uruguai 0x0 Colômbia (2x4 nos pênaltis): este jogo foi um daqueles
raros casos de 0x0 bom, com muitas chances de gol dos dois lados. Nos pênaltis,
os colombianos acertaram todos e os uruguaios foram bloqueados duas vezes por
Ospina. Destaque para a comemoração de Mina quando acertou a sua cobrança, rs.
- Argentina 3x0 Equador: o placar é um pouco enganoso, pois os
equatorianos ameaçaram bastante a Albiceleste durante quase toda a partida.
Messi perdeu um gol inacreditável no 1º tempo, mas deu o passe para De Paul
abrir o placar. No segundo tempo, o craque do Barcelona deu nova assistência,
desta vez para Lautaro Martínez, e nos acréscimos ainda fez um golaço de falta.
SEMIFINAIS DA EURO 2020
- Itália x Espanha: pela 4ª Eurocopa seguida essas duas seleções vão
se enfrentar. Em 2008, após empate sem gols, La Roja venceu nos pênaltis; em
2012, empataram por 1x1 na fase de grupos e se reencontraram na final, vencida
de forma contundente pela Espanha por 4x0; em 2016, a Azzurra avançou nas
oitavas-de-final após triunfo por 2x0. Recentemente elas também se encontraram
na semifinal da Copa das Confederações de 2013 (a equipe espanhola passou,
também nos penais) e nas eliminatórias para a Copa de 2018 (um empate em 1x1 e
uma vitória por 3x0 para os espanhóis, que venceu o grupo e obrigou os
italianos a jogar a repescagem contra a Suécia, contra quem perderam e ficaram
fora da Copa). Se eu fosse arriscar um palpite diria que a Itália de Mancini me
parece um time mais estável em campo do que a Espanha de Luis Enrique; mesmo
assim, se o ataque espanhol estiver num dia tão inspirado quanto esteve contra
Eslováquia ou Croácia, é bom os italianos tomarem cuidado.
- Inglaterra x Dinamarca: esta semifinal será a oportunidade inglesa
de uma revanche contra os dinamarqueses, para quem perderam em Londres por 1x0
em Outubro do ano passado, pela Liga das Nações. As duas seleções estão entre
as mais taticamente interessantes da Euro 2020: a Dinamarca é uma das
principais praticantes do 3-4-3 nesta competição, e a Inglaterra varia sua
formação entre 4-2-3-1, 4-3-3 e 3-4-3. A equipe treinada por Southgate tem
status de favorita tanto pela recente goleada contra a Ucrânia quanto por jogar
em casa; mesmo assim, não pode subestimar seus adversários, pois também era
mais cotada contra a Croácia na Copa passada, mas se contentou em segurar um
1x0 e acabou perdendo de virada. Para a Dinamarca, é a chance de lutar pelo
bicampeonato europeu (venceram a Euro 92); para a Inglaterra, a oportunidade de
jogarem uma final pela 1ª vez desde a Copa do Mundo de 1966.
SEMIFINAIS DA COPA AMÉRICA 2021
- Brasil 1x0 Peru: a seleção brasileira teve uma atuação bipolar, pois
fez seu melhor 1º tempo e seu pior 2º tempo nesta edição da Copa América. Por
vezes a impressão é que estávamos assistindo a um revival daquele Corinthians do
Tite, que fazia 1x0 e segurava o resultado. Se por um lado é um time
competitivo e copeiro, por outro ficam duas preocupações: 1) mesmo que a 1ª
fase da Copa América tenha sido usada para testes, a equipe vem caindo de
qualidade em relação às duas boas atuações nos jogos das eliminatórias que
antecederam Copa América; 2) essa oscilação do Brasil em campo pode ser fatal
diante de um adversário que aproveite melhor esses momentos em que a seleção
fica acuada demais. Caso a final seja contra a Argentina, então, é de se temer
o que jogadores como Messi e Lautaro Martínez podem fazer se a equipe treinada
por Tite não ditar o ritmo do jogo.
- Argentina x Colômbia: a Albiceleste vem crescendo ao longo do
torneio. Começou empatando com o Chile, acumulou três vitórias magras na fase
de grupos e, nas quartas-de-final, venceu o Equador mostrando maior potência
ofensiva. Messi vem fazendo uma Copa América de alto nível, e tem noção do quão
consagrador será se liderar a conquista de um torneio que a Argentina não vence
há 28 anos – e em pleno Maracanã (feito este que ele quase conseguiu em 2014,
quando sua seleção perdeu a final da Copa na prorrogação). Para isso terá que
passar antes pela seleção colombiana, que, se não fez uma 1ª fase muito boa, ao
menos mereceu ter vencido o Uruguai nas quartas. A Colômbia tem uma boa
motivação para avançar à decisão: se vingar do Brasil pela derrota de virada -
e nos acréscimos - na fase de grupos.