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Kaio

 

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18 março 2017

We're a ice machine, we walk like a ghost




The Idiot, o primeiro disco solo de Iggy Pop, chegou às lojas no dia 18 de Março de 1977. Quatro anos desde o último álbum do Stooges, Iggy voltou à cena musical novamente sob produção de um de seus discípulos: David Bowie (que já havia produzido Raw Power, dos Stooges). O disco foi gravado na França e principalmente na Alemanha, onde ambos estavam "exilados" da atmosfera hedonista de Los Angeles, inclusive para se desintoxicarem de seus respectivos vícios: Pop, da heroína; e Bowie, da cocaína.
David ajudou Iggy a recuperar a auto-confiança e escreveu em parceria com ele todas as músicas do álbum; aliás, duas delas entrariam no seu repertório: "Sister Midnight" (mas com uma nova letra e um novo título, "Red Money") e "China Girl"
O título do disco foi inspirado no romance O Idiota (Dostoiévski), do qual ambos - além de Tony Visconti, produtor de Bowie - gostavam.
Embora tenha sido gravado antes de Low, The Idiot foi lançado dois meses depois. Talvez Bowie não quisesse que o público pensasse que Iggy Pop o tivesse influenciado em sua guinada para um estilo mais impressionista, um art rock marcado por experimentos com música eletrônica... mas, de fato é como se Iggy fosse uma cobaia do que David pretendia para a sua futura "trilogia de Berlim". De toda maneira, ainda naquele ano Lust for Life (Iggy) foi gravado e lançado antes de "Heroes" (Bowie). Com isso temos quatro dos melhores discos de 1977 - e de toda a história do Rock.
Das cinco faixas do Lado A de The Idiot, quatro são clássicas. "Sister Midnight" tem uma letra edipiana e um ritmo lento e pesado, conduzido pelo baixo de George Murray e pelo riff de guitarra peculiar de Carlos Alomar. 
Introduzida por uma bateria eletrônica (que 17 anos depois será sampleada para o início de "Closer", do Nine Inch Nails), a soturna "Nightclubbing" trata do estilo de vida decadentista do qual seus autores há pouco participavam: "Nightclubbing we're nightclubbing / We're what's happening (...) We're an ice machine / We see people brand new people / They're something to see (...) We're walking through town (...) We walk like a ghost / We learn dances brand new dances / Like the nuclear bomb". A propósito, ela está na trilha sonora do filme Trainspotting (junto com outra grande canção de Iggy, "Lust for Life"). 
"Funtime" segue a mesma temática, mas também é uma continuação de "No Fun" (Stooges) - vide versos debochados como "I don't need no heavy trips (...) I just do what I want to do / All aboard for funtime" - e tem um final eletrizante e perturbador, em parte inspirado pelo krautrock alemão.
O quarto clássico é "China Girl", cuja letra pode ser tanto sobre uma garota vietnamita de que Iggy gostava na época quanto uma alusão à heroína ("china white" era uma gíria para esta droga). A versão de Bowie lançada 6 anos depois tem um arranjo mais pop e é mais famosa, mas prefiro a original, que tem mais dramaticidade.
O não-clássico do Lado A é "Baby", mas mesmo assim é uma boa canção. Quanto ao Lado B, temos uma faixa sobre groupies adolescentes ("Tiny Girls") e outras duas obras-primas: "Dum Dum Boys", um longo e contundente rock no qual Iggy fala de forma nostálgica de seus colegas de Stooges; e "Mass Production", uma das canções pioneiras do rock industrial, e que ao longo de oito angustiantes minutos fala de relacionamentos descartáveis: "Before you go / Do me a favour / Give me a number / Of a girl almost like you / With legs almost like you / I'm buried deep in mass production / You're not nothing new (...) Yes, she's almost like you / And I'm almost like him".
Uma curiosidade macabra sobre The Idiot é que ele foi o último álbum ouvido por Ian Curtis antes de cometer suicídio; o LP estava tocando em sua vitrola quando seu corpo foi encontrado. A propósito, não só o Joy Division, mas também outras bandas post-punk como Siouxsie and the Banshees e Bauhaus foram profundamente influenciadas por este disco, em particular pelo uso de sintetizadores, a proeminência do baixo e da bateria e as letras sombrias e reflexivas. 
The Idiot é o melhor disco de Iggy Pop (seguido de perto por Lust for Life e pelo recente Post Pop Depression), embora destoe da verve mais punk do resto de sua discografia.

12 março 2017

When the smack begins to flow


Em 12 de Março de 1967, foi lançado o álbum The Velvet Underground & Nico. A banda tinha como empresário e produtor ninguém menos que Andy Warhol, e fazia performances musicais para seus eventos multimídia Exploding Plastic Inevitable, no estúdio Factory. A peculiar "capa da banana" (que nas primeiras cópias podia ser descascada) foi concebida por Warhol.
O disco começa com a beleza etérea de "Sunday Morning", mas logo em seguida entram as guitarras distorcidas e uma letra de Lou Reed sobre um traficante de heroína em "I'm Waiting for the Man". 
"Femme Fatale", é a primeira a contar com os vocais exóticos de Nico, e sua letra amarga contrasta com a graciosa melodia. "Venus in Furs" mistura o violino elétrico de John Cale e versos baseados em um romance homônimo sobre sadomasoquismo, "bondage" e submissão.
O garage rock "Run Run Run" fala de drogas por meio de metáforas religiosas. Os hipnóticos teclados de Cale e os soturnos vocais de Nico em "All Tomorrow's Parties" conduzem uma letra que, segundo o próprio Reed, foi escrita sobre as festas e pessoas da Factory.
"Heroin" é o ápice do álbum, e ao longo de 7 minutos trata do uso e dos efeitos da heroína de uma forma ao mesmo tempo perturbadora e artisticamente sublime. Destaque para os versos: "Because when the smack begins to flow / I really don't care anymore / About all the Jim-Jim's in this town / And all the politicians makin' crazy sounds".
"There She Goes Again" tem um riff de guitarra peculiar que influenciará o jangle pop/rock de bandas como R.E.M. e Smiths. Terceira e última canção cantada por Nico, "I'll Be Your Mirror" é ainda mais acústica que "Femme Fatale", e a letra de Reed foi escrita sobre a própria cantora alemã.
As últimas duas canções são as mais experimentais. "The Black Angel's Death Song" tem uma letra nonsense, um violino cheio de dissonância e vários efeitos sonoros peculiares. "European Son", a mais longa do disco, é repleta de improvisações e distorções, antecipando os rumos que a banda tomará no álbum seguinte.
Em um ano marcado por grandes discos (Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, Are You Experienced, The Piper at the Gates of Dawn, The Doors, "Forever Changes...), o debut do Velvet passou despercebido por público e crítica - seja porque a gravadora o distribuiu mal, porque ficou cinco meses retido devido a um processo de um ator que aparece na contra-capa ou simplesmente porque estava à frente do seu tempo. Dois anos depois, o disco de estréia dos Stooges - cujo produtor foi o próprio Cale - foi o primeiro de uma leva de artistas influenciados pelo primeiro álbum do Velvet Underground. Como disse certa vez Brian Eno, é como se todos os que haviam comprado as poucas milhares de cópias do disco tivessem começado uma banda!
É possível afirmar que The Velvet Underground & Nico inventou o rock alternativo, quebrando as amarras estilísticas do gênero e possibilitando que uma mesma banda tocasse faixas acústicas e delicadas, canções repletas de distorção, letras e arranjos de vanguarda, músicas que combinam o pop com o erudito etc. Vários estilos de rock têm influência do Velvet (art rock, punk, post-punk, shoegaze, indie, folk...), e a lista de bandas inspiradas por eles é interminável; basta dizer que David Bowie, Sex Pistols, Joy Division, Sonic Youth, Jesus and Mary Chain e My Bloody Valentine estão entre elas.